O verdadeiro carro eco-friendly

Elon Musk, CEO da Tesla, ascendeu às manchetes do noticiário em todo o mundo a partir do desenvolvimento dos carros elétricos de sua empresa. De fato, ele tem méritos, suas premissas são bem interessantes e, não à toa, Musk ampliou sua atuação para outros setores, sempre “fora da caixa”.

Porém, há concepções bem mais abrangentes de um carro eco-friendly e esse pensamento começou há 80 anos, com Henry Ford, um dos expoentes da Segunda Revolução Industrial. Então, senta que lá vem história, das boas. E o cânhamo, espécie da cannabis, é protagonista.

“Há concepções bem mais abrangentes de um carro eco-friendly e esse pensamento começou há 80 anos, com Henry Ford, um dos expoentes da Segunda Revolução Industrial. E o cânhamo, espécie da cannabis, é protagonista”.

Ford era um homem de personalidade e opiniões fortes. Alguns o definiriam como uma pessoa difícil de lidar. Porém, ele era visionário e revolucionou a indústria automobilística.

No período entre as Guerras Mundiais, a indústria norte-americana atuava com restrições de matérias-primas e o uso de metais era prioritário para aplicações militares. Esse era um fator especialmente delicado para fabricantes de automóveis. Uma das premissas de Ford era unir indústria e agricultura, com a crença de que muitas das soluções para o mundo poderiam vir da produção agrícola.

Assim, investiu recursos em pesquisas para o desenvolvimento de bioplásticos. Esse movimento durou 12 anos e o resultado foi a construção do carro de plástico de Henry Ford. Com exceção do chassis, todo o corpo do veículo era feito de bioplástico à base de cânhamo. No material havia outros elementos de origem vegetal e uma resina para dar liga.

“À ocasião da apresentação, Ford enaltecia a força do material, que seria dez vezes mais forte que o aço. O pulo do gato dessa inovação de transformar planta em plástico era a celulose, polímero orgânico mais abundante do mundo. O cânhamo possui de 60% a 70% de celulose, sendo a fonte ideal para bioplásticos”.

À ocasião da apresentação, Ford enaltecia a força do material, que seria dez vezes mais forte que o aço. O pulo do gato dessa inovação de transformar planta em plástico era a celulose, polímero orgânico mais abundante do mundo. O cânhamo possui de 60% a 70% de celulose, sendo a fonte ideal para bioplásticos. A variação da fibra natural ou celulose presente no material define a força e flexibilidade do bioplástico. A partir da extração da celulose do cânhamo, a fabricação do componente é semelhante ao plástico convencional, porém com menor desperdício e pegada de carbono negativa. No entanto, Ford foi além e usou o óleo de sementes de cânhamo como biocombustível para mover o carro.

O senso de criatividade e inovação de Ford esbarrou no lobby da indústria petroleira e nas restrições que a cannabis enfrentou por décadas. A ideia estava certa, mas no momento errado. No entanto, o sonho dele não morreu.

Mais recentemente, em 2017, Bruce Dietzen, ex-executivo da Dell e empreendedor com a Renew Sports Car, levou o meio ambiente em conta na concepção de seu próprio carro esportivo, o Renew. Com a meta de utilizar componentes eco-friendly em mente, ele projetou um modelo com o corpo construído a partir de pouco mais de 45 quilos de cânhamo, transformados em um bioplástico extremamente resistente. E o cânhamo também pode ser o biocombustível do veículo. Nesse conjunto, o Renew seria até três vezes mais verde que os carros elétricos, segundo seu projetista.

“Na apresentação do modelo no Jay Leno’s Garage, Dietzen destacou a resistência maior que o aço e a redução do peso em relação à utilização de outros materiais como a fibra de vidro ou fibra de carbono. Não há dúvidas de que se inspirou em Ford. Entretanto, o maior diferencial do projeto destacado por Dietzen é a sustentabilidade”.

Na apresentação do modelo no Jay Leno’s Garage, Dietzen destacou a resistência maior que o aço e a redução do peso em relação à utilização de outros materiais como a fibra de vidro ou fibra de carbono. Não há dúvidas de que se inspirou em Ford. Entretanto, o maior diferencial do projeto destacado por Dietzen é a sustentabilidade.

Ele afirma que a implementação de tecnologias com pegada negativa de carbono está no centro de um mundo no qual a maioria dos bens de consumo sejam produzidos a partir de biomateriais, extraindo cada vez mais dióxido de carbono da atmosfera. Além disso, defende materiais recicláveis e biodegradáveis. Lembro que a fabricação de um carro tradicional gera uma pegada de 10 toneladas de carbono.

Dietzen certamente tem mais foco no propósito do que o pragmático Ford. Contudo, a realização de ambos, comprova que o bioplástico feito a partir do cânhamo concilia uma visão sustentável de futuro do planeta com resultados tangíveis para os negócios. E se você acha que foram dois exemplos isolados, não poderia estar mais enganado.

Em 2018, o carro elétrico BMW i3 utilizou biocomposto de fibra de cânhamo em algumas partes, como os painéis da porta. Já a Porsche abriu o ano de 2019 surpreendendo muitos com o lançamento do primeiro carro de corrida do mundo com o corpo produzido a partir da fibra de cânhamo. O Porsche 718 Cayman GT4 foi anunciado pela construtora como uma alternativa verde. Além disso, a matéria-prima apresentou melhor relação custo-benefício em comparação com a fibra de carbono. Ainda nessa analogia, mas incluindo a fibra de vidro, o cânhamo demonstrou vantagens na densidade, rigidez, vibração, isolamento térmico e acústico, resposta a impactos e comportamento de fadiga, além da redução de peso, entre outros aspectos. Nada mal para uma marca reconhecida mundialmente pela utilização dos melhores materiais na construção de seus carros.

“Todos esses exemplos mostram o quanto o bioplástico feito a partir das fibras de cânhamo podem revolucionar a indústria automobilística, com maior funcionalidade na fabricação de produtos, melhor custo-benefício de fabricação e proposta muito mais sustentável para a indústria”.

Todos esses exemplos mostram o quanto o bioplástico feito a partir das fibras de cânhamo podem revolucionar a indústria automobilística, com maior funcionalidade na fabricação de produtos, melhor custo-benefício de fabricação e proposta muito mais sustentável para a indústria. O mesmo vale para o setor aeroespacial, que pode usar biocompostos de cânhamo em substituição a outras fibras, plásticos convencionais, polímeros e componentes metálicos.

As possibilidades de aplicações são imensas como o icônico Henry Ford percebeu há 80 anos, mas, agora, o momento é muito mais favorável para criar e inovar. É hora de pisar no acelerador.

*Marcelo De Vita Grecco é cofundador, head de Negócios da The Green Hub e colunista do Sechat

Sechat