Na Califórnia, ex-atletas pedem que maconha deixe de ser doping

SANTA MÔNICA, EUA (FOLHAPRESS) – O ex-jogador da NFL Ricky Williams liderava uma sessão de ioga na praia de Santa Mônica, num sábado, enquanto a neblina da manhã se misturava a outras névoas de cheiros adocicados. Maconha era consumida de forma discreta, mesmo com policiais circulando pelo local.

A aula serviu de aquecimento para uma corrida de 6km no calçadão e também para alongar os lutadores de jiu-jitsu, que mais tarde se apresentariam num tatame improvisado. Ao terminar suas saudações ao sol, Williams tirou selfies com fãs e distribuiu amostras de um creme de massagem feito de cannabis e outras ervas.

“Queremos mostrar que usuários de cannabis não são preguiçosos, desmotivados ou lesados. Queremos acabar com o estigma de milhares de pessoas que usam num estilo de vida saudável e responsável”, explica Jim McAlpine, criador do evento 420 Games, que acontece em algumas cidades da costa oeste americana desde 2014. O número é uma referência ao horário 4h20, simbólico entre maconheiros. O evento também teve jogos de basquete, exibições de skate e dezenas de empresas exibindo produtos.

Desde janeiro, a droga foi legalizada para maiores de 21 anos na Califórnia, ainda que o governo federal continue a considerando ilegal. Médicos alertam que o consumo pode aumentar o risco de doenças mentais, como esquizofrenia.

Cerca de 4.500 pessoas participaram do 420 Games no final de semana, incluindo 800 que tomaram o percurso de 6km (ou 4,20 milhas) correndo, patinando ou de bicicleta. Katherine Donovan, 36, foi a primeira corredora a terminar, em 30 minutos. No café da manhã, ela comeu um biscoito e um pão com pasta de amendoim, tudo feito com cannabis.

“Estou ótima, foi uma corrida divertida”, disse Donovan na linha de chegada. Ela trabalha com educação e começou a consumir um ano atrás para substituir medicamentos de dor após uma lesão na bacia. Hoje, cozinha quase todos os dias com óleo de cannabis e gosta de consumir antes de corridas longas. “Sinto que fico mais focada no movimento”.

McAlpine gosta de dizer que seus eventos são familiares e pede para que seus participantes “se mediquem” em casa e não no local. Ele também reconhece que misturar maconha com exercício não é para todo mundo, já que há quem se sinta descoordenado.

Williams, que jogou 12 temporadas da NFL como running back, não fumava antes de seus jogos e sim apenas para recuperação física e mental. “Jogar na liga era muito stress”, disse à Folha.

Ele foi pego em testes de substâncias ilegais e se aposentou temporariamente em 2004 do Miami Dolphins. Foi estudar ayurveda, sistema milenar de medicina indiana, e virou instrutor de ioga. “Eu era o esquisitão da NFL, mas não me arrependo”, disse, rindo.

“A mágica da cannabis é que liga corpo, mente e alma. Às vezes, o consumo pode liberar sua mente para deixar seu corpo mais livre em seus movimentos. Fazer isto todo dia antes de um treino, acho exagero, não faz bem. As pessoas precisam se educar e aprender a usar”.

Hoje, diversos ex-atletas da NFL defendem a retirada da droga da lista de doping e criaram o grupo Gridiron Cannabis Coalition para fomentar estudos e campanhas.

SAIBA MAIS

Alguns esportes já são tolerantes com maconha, caso da liga mundial de surfe. A NBA, por exemplo, só suspende atletas a partir da terceira vez que ele for flagrado.

Esportes olímpicos a partir de Tóquio-2020, o skate e o surfe não têm antidoping. Eles terão que se adequar por causa dos Jogos.

A quantidade de maconha tolerada pela Wada (Agência Mundial Antidoping) desde 2013 praticamente só pune quem usou a droga no dia da competição.

Folha