Estado e setor privado contra a indústria da cannabis na Argentina

Em 26 de maio, o Poder Executivo promulgou a Lei 27.669/22, criando assim o “Marco regulatório para o desenvolvimento da indústria de cannabis medicinal e cânhamo industrial” na Argentina. A norma estabeleceu o prazo de 180 dias para que o atual Ministério da Economia, por meio de sua Secretaria da Indústria e Desenvolvimento Produtivo, a regule e constitua a agência reguladora correspondente (ARICCAME) e conclua todas as tarefas que precisam urgentemente ser canalizadas e que foram parcialmente consumidas pela convulsão política, econômica e social que o país atravessa.

O objetivo desta norma era assumir um compromisso estratégico com um dos setores emergentes mais disruptivos da economia global. Para dimensionar a magnitude do fenômeno a que nos referimos, segundo relatório da agência Euromonitor International, nos últimos 10 anos, esse mercado global se expandiu de 0 a 23 milhões de dólares e se multiplicará até atingir US $93 milhões em transações até o final desta década.

A iniciativa do Poder Executivo procurou promover a criação de uma nova atividade económica no quadro produtivo nacional e, consequentemente, lançar uma agenda de investimento, produção, desenvolvimento regional, diversificação da matriz produtiva de algumas províncias, bem como a geração de emprego, qualidade registrada, promoção das várias cadeias produtivas e criação de valor acrescentado a parte do  sistema técnico produtivo e científico. Claramente, exigindo objetivos que precisarão de audácia política, o apoio de todos os órgãos do Estado, promovendo um marco regulatório flexível e a geração de condições competitivas para os investimentos necessários, sem os quais tudo o que foi dito ficará numa longa lista de boas intenções.

Teremos que avaliar seu impacto com uma perspectiva temporal, entendendo que nada do proposto será gerado da noite para o dia e considerando que muitas decisões que devem ser tomadas no momento da regulamentação da lei serão as que definirão se as economias e expectativas criadas se materializam ou não.

Aqui nos deparamos com um ponto de inflexão tanto para o setor público quanto para o privado, pois cada posição tomada marcará o destino do potencial que decidimos despertar por meio da sanção da lei.

Os primeiros passos dados desde 2017 em relação à produção de cannabis em nosso país, têm sido marcados por uma forte presença do Estado como ator econômico. Atestam-no os numerosos projetos públicos encabeçados por várias províncias e municípios para a sua industrialização em diferentes escalas.

Pensando prospectivamente, esta situação obriga-nos a levantar um debate inexorável e necessário sobre qual o papel que o Estado e os particulares devem desempenhar na construção desta nova etapa. Seria desejável dar mensagens claras e pensar a indústria como um Estado comprometido com a função reguladora, cujo papel básico e essencial em uma economia social de mercado, consiste em atuar como fator de equilíbrio para os diferentes interesses em jogo.

Um Estado como arquiteto da implementação de um modelo confiável e seguro de produção e comercialização de produtos controlados, de qualidade, legais e acessíveis, que avance para a regulamentação do uso adulto e a descriminalização de consumidores e usuários. Um Estado que fiscaliza, controla e ordena. Um Estado que trabalha para a defesa do consumidor, favorece a concorrência e evita qualquer tentativa de gerar concentrações indesejadas ou posições dominantes de mercado. Um Estado que planeja e regula em favor do investimento e do emprego, com padrões e processos transparentes na concessão de licenças.

Um estado que promova uma implantação harmoniosa da indústria com uma perspectiva federal e em favor de nossas economias regionais. Um Estado que gera uma rede de colaboração e apoio com o setor privado por meio de seu sistema científico e tecnológico, expresso em instituições como INTA, CONICET e academia pública, promovendo pesquisa, educação e formação de profissionais. Um Estado que fornece ferramentas de financiamento e promoção para a rápida decolagem da indústria e possibilita a comercialização de categorias de produtos inovadores no mercado interno e sua promoção internacional para gerar mais exportações. Um Estado que desempenha um papel decisivo na divulgação pública da evidência científica existente sobre o uso de cannabis na saúde, garantindo a cobertura de tratamento médico a todos os que dele necessitem e não o possam pagar, mas também que alerte para os riscos associados à problemática consumo e com políticas ativas de controle de danos em relação ao abuso de substâncias.

Simultaneamente, seria estratégico dar prioridade ao setor privado na oportunidade de produzir e desenvolver negócios, com um enfoque fundamental nas PME, empresários e cooperativas numa articulação inteligente, colaborativa e sinérgica com o Estado no seu papel regulador. A Argentina tem 600.000 PMEs, que representam 99% do tecido empresarial e geram 70% do emprego formal; apostar neles, gerando as condições certas, sem dúvida despertará toda a sua capacidade criativa e energia empreendedora para que toda essa força se traduza em desenvolvimento sustentável com impacto económico, social e ambiental positivo para o nosso país.

Sobre o autor:

Pablo Fazio é empresário e empreendedor de pequenas e médias empresas. Atualmente, mora na Argentina, onde preside a Câmara Argentina de Cannabis (Argencann), que tem o objetivo de promover o desenvolvimento e a expansão da indústria de cannabis no país.

Sechat

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