Ação judicial autoriza paciente com insônia e ansiedade a cultivar cannabis em casa

Mais um salvo-conduto que assegura que pacientes que cultivam cannabis para fins terapêuticos não sejam incomodados pelo poder público foi concedido no Rio de Janeiro na última segunda-feira (12). A 1ª Vara Federal Criminal determinou que uma mulher que sofre com insônia e ansiedade poderá, a partir de agora, adquirir insumos e utensílios indispensáveis para o plantio, produção e extração dos derivados da cannabis, para o controle e tratamento de seus distúrbios.

Hoje no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Sono (ABS), cerca de 73 milhões de pessoas sofrem com essa disfunção. O ritmo agitado da vida urbana e o estresse do dia a dia também podem agravar o problema. De acordo com o advogado do caso, Natan Duek, especializado em Lei de Drogas e habeas-corpus para cultivo medicinal, a autora da ação convive com transtorno depressivo motivado por fatores emocionais causados pela insônia.

Em entrevista para o portal, o criminalista explica que o tratamento com medicamentos convencionais foi por muito tempo a única opção dessa paciente, contudo, causava efeitos colaterais como enjoo, tontura, dores de cabeça, tremores, perda de libido, dependência, além da piora no déficit cognitivo e comportamento social.

“É inconcebível, em pleno 2022, que uma pessoa seja obrigada a mover o aparelho judiciário para ter acesso a um tratamento de saúde que demande o plantio de cannabis para fins estritamente medicinais,” destaca Duek.

A paciente então, iniciou o tratamento com o uso de extrato de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), produzidos artesanalmente a partir da cannabis, popularmente conhecida como maconha, apresentando melhora significativa dos sintomas, além da redução dos efeitos adversos.

A terapia canabinoide ainda não é oferecida de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nem mesmo regulamentada a nível federal no legislativo brasileiro. O que faz com que os  custos do tratamento ainda continuem altos para parte da sociedade, principalmente aquela que se encontra em estado de vulnerabilidade social. Mesmo recorrendo às associações de pacientes, que normalmente oferecem valores mais em conta dos produtos de cannabis, muitas preferem buscar o poder judiciário para produzir o próprio remédio.

“Por isso, a regulamentação da produção medicinal em território nacional é essencial para garantia do direito à saúde de milhões de brasileiros que necessitam do tratamento,” diz o advogado.

Ele afirma ainda que vê o conservadorismo político, os interesses bilionários associados à indústria farmacêutica e à repressão da guerra às drogas – que temem a perda de mercado com uma eventual legalização – como os principais motivos desse tabu e preconceito em relação à  planta.

“Os estudos criminológicos têm demonstrado como a guerra às drogas, em todo o mundo, constitui na prática uma estratégia de controle repressivo sobre as populações pauperizadas e marginalizadas,  um pretexto para a supressão de seus direitos fundamentais,” diz Duek.

Quando questionado sobre como essa vitória pode surtir impacto positivo em outras causas judiciais, o defensor explica que é uma garantia a mais para os cultivadores. “A concessão de um salvo conduto significa reconhecimento por parte do Poder Judiciário de que, naquela situação específica, não existe crime a ser perseguido pelo Estado, já que o cultivo é estritamente para fins medicinais.”

O juiz do caso concordou com a autora da ação, ressaltando que o cultivo da planta cumpre “exclusivamente” o direito fundamental à saúde quando é voltado à produção artesanal de medicamentos para uso próprio. Para o magistrado, o uso medicinal da cannabis não coloca em risco a saúde pública. Por outro lado, a falta dele  pode colocar em risco a saúde da requerente e agravar os sintomas das doenças, “contribuindo para a involução do quadro de melhora comprovadamente atestado pelo laudo médico”.

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