Exclusiva: “Enquanto estamos aqui, há uma mãe que precisa da cannabis medicinal para seu filho que sofre mais uma crise de convulsão”

Candidata à deputada federal de São Paulo nas eleições de outubro pelo partido REDE (REDE SUSTENTABILIDADE), Maísa Diniz é administradora pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa com MBA em gestão pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Co-fundadora da campanha “Vote Nelas”, foi também coordenadora de inteligência educacional no grupo “Somos Educação”.

Em entrevista exclusiva ao Portal  Sechat, a goianiense de 34 anos de idade  relata todos seus projetos de ação e reafirma que a sua principal pauta de campanha é a legalização da cannabis no país.

Em uma conversa descontraída, a candidata respondeu:

 Qual a sua opinião sobre a regulamentação da cannabis para uso medicinal e industrial no Brasil?

Maisa Diniz –  para a política, você se propõe a resolver um problema de forma muito concreta. Falar da cannabis no Brasil, é falar de propostas concretas para esse rolo compressor que é a desigualdade no país hoje. A nossa política de drogas faz isso diariamente. Enquanto estamos aqui, existe alguém sendo preso injustamente e uma mãe que precisa da cannabis medicinal para seu  filho que sofre mais uma crise de convulsão.

Estamos em 2022 e ainda criminalizamos uma planta. Precisamos pautar esse assunto com urgência para garantir um futuro próspero para a população. Não existe maneira de pensarmos em um futuro viável, para um Brasil sustentável, se não revermos como a política de drogas é aplicada no país e todas as questões que rodeiam isso, como desigualdade social, acesso a comida de qualidade, dignidade, emprego, saúde, renda. Hoje, 30% dos presos são negros e jovens. Presos por causa de duas fatias de presunto de cannabis. Estamos falando de um mercado que deixamos de injetar e perdendo, com isso, 30 bilhões de reais por ano, porque criminalizam uma planta. Estamos aqui ao  lado de várias espécies  de plantas, mas a cannabis não pode. Por isso que a cannabis é uma pauta urgente e uma das minhas principais propostas,  um dos motivos pelos quais eu decidi ser candidata à deputada federal.

Todos os estrategistas e conselheiros de campanha sempre dizem: ‘’Desista da Cannabis por um motivo muito simples, ninguém nunca foi eleito com essa pauta. Ninguém”.’’ Temos candidatos que já se candidataram várias vezes e que trazem essa pauta, mas defendem ali na página dois, não é o seu mote de campanha, não é falado abertamente em razão deste melindre político. É óbvio que tem que ter alguns cuidados mesmo, porque estamos em um país conservador. Mas acredito também que alguém tem que começar a criar a demanda,  é um diferencial falar sobre o tema de forma franca, ou seja, não fiz isso para pagar voto, mas para resolver um problema de saúde, econômico e ambiental.

PS – Uma empresa canadense acaba de fazer parceria com o governo da Costa Rica para produzir medicamentos à base de Cannabis. Argentina, Uruguai, México e Colômbia  já regulamentaram. Por que, no seu ponto de vista, ainda existe tanto preconceito quando o tema é cannabis, aqui no Brasil?

MD – Não podemos esquecer do nível da polarização que estamos atualmente,  fomentada, nutrida e alimentada pela desinformação. Quando saio para panfletar, vejo 90% das pessoas negando o panfleto e quando falo: ‘’É sobre a legalização da cannabis“, a pessoa me olha no olho e diz: ‘’Você está falando sério? Eu quero, até que enfim, alguém tem coragem de falar disso.’’ Mas tem uns 10% ali que confundem as pautas. Quando estava em São Roque (SP) uma pessoa, com dedo em riste, me chamou de comunista e perguntou se eu não tinha vergonha.

É muita desinformação. Algumas pessoas relacionam esse imaginário de que a Cannabis é a porta de entrada para outras drogas mais pesadas, justamente porque por muito tempo isso se propagou, mas é uma falácia. Acho interessante usar essa oportunidade para dizer que a porta de entrada para drogas mais pesadas é o desemprego, o descaso, a miséria e a fome. É por isso que as pessoas fumam crack, é por isso que existe uma cracolândia no Brasil, não só aqui em São Paulo. Não é porque a pessoa fuma um baseado hoje que  vai fumar crack amanhã. Essa linha contínua da relação com as drogas é pura desinformação. Quando falamos de drogas, precisamos falar do descaso do governo e consequentemente da miséria. Somos um país que esse ano bateu o recorde de crianças registradas sem o nome do pai. Ora, isso é um descaso. Isso é um abandono.

PS –  Então será que eles criaram essa cortina de fumaça para poder esconder os problemas reais?

MD – É um inimigo oculto, não é? São as drogas, quem são as drogas? Não sei, mas são as drogas e é ela que está afundando o Brasil. Mas o que afunda um país, uma família, é a falta de suporte, de assistência social e de emprego. Somos um  país em crise, cujo  presidente da República, até hoje fala de cloroquina. Estamos revendo doenças infantis, até o  “Zé Gotinha” vem sendo questionado. Essas figuras retrocedem na nossa relação de ter uma conversa franca sobre os nossos problemas reais.

Hoje passei por um episódio horroroso. Estava panfletando com a minha dobrada deputada estadual Marina Helou e uma pessoa nos parou, incentivando a gente claramente a desistir, nos dizendo assim: ‘’se você é uma pessoa decente, saia da política, a política é um esgoto. A política é um lugar de gente safada’’. Ao contrário, se é um esgoto, é lá que devemos estar, vamos limpar esse esgoto, pois se não gostamos de política, seremos eternamente governados pelos que gostam.

PS – Caso você consiga se eleger, já tem projetos para conseguir mudar esse cenário? Para desmistificar ideias sobre a cannabis e democratizar o acesso da planta pelas famílias, por exemplo, que se encontram em situação de vulnerabilidade social? Como você irá realizar isso?

MD – Essa questão da polarização e da desinformação me atinge em um lugar muito íntimo. Porque acredito que é uma estrutura, uma raiz da nossa democracia. A primeira ação que irei realizar é aumentar o número de investimento em ciência e tecnologia, garantir pesquisa acadêmica produzindo conteúdos de qualidade sobre a cannabis. Atualmente estamos retrocedendo, em um governo que congela verba para a ciência. Canadá, Estados Unidos e China são os campeões de patente com cannabis no mundo inteiro. A produção de patente de cannabis está em ascensão e nós? É uma planta só, é a mesma planta. Não existe cannabis medicinal, existe cannabis, é fruto do mesmo princípio ativo. Portanto, o primeiro projeto é garantir que os estudantes, os cientistas das universidades produzam conteúdo de qualidade, pois a partir desses conteúdos, informamos a população. Hoje temos uma cartilha sobre drogas realizada pelo governo e na parte que fala sobre cannabis, na primeira página, enfatiza que a planta não tem caráter medicinal. Assim, estamos sistematizando a desinformação e  usando o poder governamental para contar mentiras.

O meu projeto está baseado em quatro etapas: A primeira é garantir verba de emenda parlamentar, garantir informação e dinheiro para produzirmos conteúdo de qualidade. Por exemplo, aqui no Cívico há um espaço de novas ideias de empreendedores, porque não temos mais celeiros assim? Por que não temos um celeiro desse dentro da USP (Universidade de São Paulo) e de outras universidades pelo Brasil? A segunda é fácil acesso ao remédio. Precisamos olhar para as associações e colocá-las no centro desse debate. Não dá para incluir somente as farmacêuticas, não dá para criar uma nova AMBEV na Cannabis, precisamos colocar quem sempre esteve no front. A terceira é o cânhamo industrial. A gente precisa conversar com a bancada do Agro. Eu sou de Goiás, nasci em Goiânia. Como é que a gente faz para garantir uma produção industrial que seja regenerativa? A gente tem essa oportunidade! Hoje o ciclo do plástico não é sustentável. Por que estamos produzindo plástico até hoje ligado ao petróleo?

PS – Industrial e medicinal andam juntas ou separadas?

MD – Essa ideia é para mim a quarta etapa, é o uso recreativo. A gente tem que ter coragem para falar disso. Parar de fatiar a planta. Inclusive eu não gosto de usar  o termo adulto, porque quando falamos de cannabis, já está implícito. Claro que é para adultos. Essa não é uma conversa para criança. Adolescente não tem que fumar maconha. E por isso que precisa de uma regulamentação. Por exemplo, é a mesma coisa que acontece com o Vape (cigarro eletrônico) hoje. O governo deu 48 horas para tirá-lo de todos os lugares. Por qual motivo? Porque não tem regulamentação. O uso é recreativo e os adultos fazem coisas recreativas, de adulto, adultos fazem sexo. O que você tem no metrô em São Paulo? A distribuição de camisinha e isso é redução de danos, é um Estado regulamentado. Eu ouço mães, por exemplo, dizendo: ‘’Meu filho de 11 anos fuma maconha’’. Isso é falta de regulamentação, é a guerra às drogas fracassando dentro das nossas casas. Ora, temos que ter uma conversa franca. Quando você pode beber bebida alcoólica? Com 18 anos. E mesmo assim, não beba mais que oito latinhas porque depois disso você vai passar mal, vai ser ruim e tome água entre as bebidas. Precisamos ter uma conversa franca sobre recreação de forma adequada, com qualidade, isso é política de redução de danos. Tomamos café, como vamos fazer com a redução de danos de café? Não tome mais de quatro xícaras por dia. Somos o país que mais toma Rivotril no mundo. Mas a piada de Rivotril todo mundo ri. É uma hipocrisia.

PS – Como você vê essa evolução? Hoje as pessoas estão mais abertas ao tema?

MD – Não, o que está abrindo a cabeça das pessoas é o fato de que estamos numa sociedade capitalista. Os Estados Unidos estão pautando este debate, assim como Espanha, Portugal, Canadá e muitos outros. Está difícil continuar neste lugar conservador negando a realidade. Se eu entrar nas minhas redes sociais, agora, sei que existem pessoas me chamando de drogada e maconheira, mas, mesmo com essa disputa de discursos, a informação está chegando, querendo ou não. O governo poderia arrecadar  8 bilhões de reais em impostos e a gente continua andandoo em círculos. O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso já está falando sobre isso. Ele que, tempos atrás, teve que explicar que fumou mas não tragou. Porque o conservadorismo faz isso conosco, existe essa pressão.

PS – O mercado da cannabis não se difere dos mercados restantes, e é, em grande medida, dominado por homens. Você como uma defensora da causa feminista, como enxerga esse cenário?
MD – Eu sou fundadora do “Vote Nelas”. Temos que votar em mulheres nessa eleição. Não dá mais para encher a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) e o Congresso Nacional de homem. Precisamos fazer isso com urgência. Somente 15% do Congresso Nacional são mulheres. Na Alesp, tivemos nos últimos dois anos um recorde de denúncias de decoro parlamentar, com deputados assediando mulheres dentro da casa.  Falar da pauta da cannabis, na minha percepção, é falar de uma pauta de mulheres porque o beck no carnaval nunca faltou. A cannabis que falta é para as mães que cuidam. Quem cuida de criança autista é a mulher. Quem cuida dos idosos com Alzheimer? A maioria das enfermeiras são mulheres e que fazem um papel fundamental. Quem empurrou a legalização da cannabis? A Margarette Brito (Fundadora da Apepi) que estava precisando do extrato de cannabis e por esta razão que devemos colocar essas mães nos espaços de poder.

Sechat

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