“Quem frequentou um centro de reabilitação e viu o efeito da cannabis não aceita injustiças de acessibilidade”

A também advogada, Mônica Rosenberg é candidata à deputada federal  de São Paulo pelo partido NOVO. Associada ao movimento de mulheres liberais LOLA, foi aluna, monitora e coordenadora do RenovaBR e coordenadora estadual do movimento LIVRES em São Paulo. Formada pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado no ESSEC, de Paris, e formação na International Anti-Corruption Academy, de Viena, é uma das fundadoras do Instituto Não Aceito Corrupção e autora do livro “Somos todos corruptos? Pequeno manual do ético-chato”.

Além da luta anticorrupção, Mônica está ligada à pauta de gênero e econômica. Também defende a  cannabis medicinal desde 2005, quando seu marido ficou com uma lesão cerebral após a retirada de um tumor cerebral. Naquele momento, a cannabis medicinal era considerada medicina alternativa e Mônica percebeu a diferença que o tratamento fazia na vida das pessoas ali presentes na reabilitação. “Quem frequentou um centro de reabilitação na vida e viu o efeito da cannabis, não consegue aceitar injustiças de acessibilidade, você quebra preconceitos na hora.”

A redação do Sechat recebeu na última quinta-feira (18) Mônica Rosenberg para uma entrevista, sobre seus projetos prioritários levantados em torno da legalização da cannabis e anseios de que a informação seja uma realidade para os eleitores. ‘“Muito do nosso trabalho está em volta da realidade social’’.

Em um bate-bola descontraído a candidata respondeu:

Mônica Rosenberg – A nossa legislação, há muito tempo, não acompanha a realidade e não enxerga o real problema na sociedade brasileira. É feita com interesses eleitorais, que às vezes são fundados em preconceitos. O que nós temos agora é muito pouco, são 19 produtos permitidos e quatro deles são vendidos em farmácia, ou seja, não atendem às necessidades de pacientes que precisam do tratamento, das famílias que precisam cuidar dos seus pacientes  e nem  as necessidades das mulheres que estão cuidando  desses familiares e pacientes. O Projeto de Lei 399 proposto também está um pouco confuso, porque juntou três coisas no mesmo PL: uso terapêutico, plantio  e as associações, tudo em um texto só.

Já é complicado regulamentar um assunto,  imagina três deles e mercados diferentes. Mais uma vez é uma legislação que não conversou com os players, com as pessoas envolvidas,  pacientes, nem com os cultivadores e médicos prescritores e não prescritores. Então, não vai resolver o problema, porém, é um primeiro passo importante  porque propicia  o debate. A gente percebe que o debate mudou de qualidade depois que a PL começou a circular.

PS –  Você acredita, então, que deveríamos dividir a 399 e tratar de cada tema separadamente?

MR – Sim, eu acho. Acredito que seria mais fácil, por exemplo, se começar com uma legislação específica para uso medicinal e ter outra relativa ao cânhamo. Como existe  menos preconceito em torno disso, já traria inúmeros benefícios. Realmente poderíamos  passar esses projetos separadamente no Congresso.

PS –  Você, caso eleita, tem a vontade de criar um projeto desse tipo? Por exemplo, o do cânhamo, como você acabou de citar?

MR – A política é a arte do possível. Atualmente, por exemplo, temos cinco projetos de lei referentes à reforma tributária tramitando no Congresso, uma grande confusão. Eu conversaria, sentaria com todo mundo para entender o que é melhor. Estou ciente de que, nesse momento, melhor andarmos com o 399 como está, não reabrir para discussão, não regredir, passar o 399 e  fazer emendas na sua tramitação. Você consegue incluir destaques, tirar o que está confuso, mas precisa passar  alguma coisa. Porque temos que trazer a imprensa, a população que ainda continua achando que a cannabis medicinal abre as portas para todas as drogas. Essa discussão precisa se tornar acessível. Primeiro que exonera e tira um peso de várias pequenas famílias e pequenos plantadores que estão plantando em casa, com um habeas corpus.  Eles estão estressados, vivem com medo de que a polícia apareça lá. Então, só por tirar o estresse dessas mães, esse projeto já tem valor. E a questão de que você começa a discussão em cima de bases reais, sólidas. Hoje a base da discussão legislativa não tem nenhuma ligação com a realidade.

PS –  Muitos  defendem o autocultivo,  por entender  que a mãe está sofrendo e que precisa desse medicamento com urgência. Mas, em contrapartida, ela  resolverá um problema particular  além de encontrar um grande caminho pela frente para  conhecer como se faz a extração corretamente. É  um gasto de energia, água, entendimento para com espécies diferentes e temperatura adequada. Assim sendo,  qual o custo deste cenário para uma mãe?

MR –  Temos que falar sobre a democratização do acesso ao tratamento, porque o grande problema no Brasil é que só tem acesso quem tem dinheiro. Quem não tem dinheiro não tem acesso. Esse é o absurdo, a  desigualdade. Como é que pode? Se você tem dinheiro para importar, rapidamente vai ter o seu tratamento. Alguns vão comprar na farmácia, é simples,  indolor e prático. Porém,  se não tem dinheiro, pode esquecer. Terá  que judicializar e vai demorar uma eternidade. Reforçando, a justiça no acesso a um tratamento é que muda a vida da pessoa, devolvendo a dignidade.

Por exemplo, muitas crianças autistas que conseguem ser tratadas com cannabis, com canabidiol,  voltam para a escola e suas mães  podem retornar ao trabalho. Olha do que a gente está falando, dar oportunidade e futuro para essa mãe. Por isso, temos que olhar o problema de fato.

PS – Quais os caminhos seriam possíveis para democratizar e tornar mais acessível o tratamento com cannabis ?

MR – Teria que fazer uma análise de impacto. Conseguir  que o cultivo acontecesse no Brasil e aqui tivesse  toda a cadeia produtiva, chegando até o produto final, com impostos reduzidos, até porque trata-se de  uma substância para uso de medicamentos. Então, desonerar fiscalmente e permitir a cadeia inteira, em solo nacional, para que o produto se torne financeiramente acessível, isso já seria uma grande coisa. Bem como poder exportar a planta e criar políticas públicas que democratizam o acesso pelo próprio SUS.

Porque nós estamos gerando renda e valor com a produção e a exportação de insumos. O que não pode é ter um país onde uma parte da população consegue acesso e a outra parte não. O Estado de São Paulo gastou R$ 38 milhões desde o começo de 2021 com o fornecimento judicializado, com processos, ou seja,  o estado paga para fornecer pelo SUS. Isso está saindo do nosso bolso. Colorado, nos Estados Unidos, zerou  o déficit em um mês com um imposto da cannabis. Como lá o uso é  uso adulto, o impacto econômico se torna muito grande.

PS – Porque você acredita que existe esse preconceito por trás do assunto? É por ser uma pauta ligada a questões ideológicas? 

MR – Acho que são três fatores: o primeiro deles é a desinformação. Os políticos não entendem, misturam, têm medo. A segunda coisa é a polarização,  precisam etiquetar as ideias. E aí vem a cannabis, a pauta de gênero, do meio ambiente e da sustentabilidade,  assuntos  que foram dominados pela esquerda, mas que não deviam ter essa conotação.

Uma pessoa liberal como eu, que gosto de dizer que sou liberal por inteiro, normalmente não deveria apoiar a cannabis, a pauta LGBT enfim, e não é sobre isso. Eu sou candidata à deputada e sempre digo, vamos sair da briga dos presidentes, porque ela saiu do racional,  vamos tratar de ideias. E quando você trata de ideias você pode ser uma pessoa liberal e  defender a pauta de gênero, dacannabis, do meio ambiente, porque todas  têm a ver com liberdade de escolha.

E o terceiro ponto, claro,  é financeiro. As pessoas e as grandes corporações têm medo da mudança. As grandes farmacêuticas poderiam entender isso como uma enorme oportunidade de negócio, mas elas não enxergam. O Cláudio Gutemberg é um exemplo de um grande investidor de cannabis porque tem visão

PS – ) Você acredita que há vontade política para o ano que vem, depois das eleições, para aprovação  da cannabis medicinal? 

MR – Eu fiz uma pesquisa na internet sobre essa pauta por ser muito importante para mim, já há muito tempo. Eu tive que brigar para poder falar dela. A sociedade está pronta para fazer esse debate. Eu espero que a sociedade coloque pessoas no congresso que estejam prontas também, que isso seja um critério, pelo menos para quem tem um olhar para essa pauta. O Congresso não pôde estar descolado da realidade. Se conseguirmos fazer a discussão do PL, eu acho que emplaca, mas aí precisamos de pessoas falando disso  e a imprensa entendendo.

A Kaya Mind fez uma pesquisa na marcha da maconha sobre o PL 399, nem 10%  das pessoas conheciam. Então, os próprios usuários adultos devem levantar a pauta, defender o medicinal, pois esse tem que passar. Chega de confundir as coisas. Eles têm que levantar essa bandeira também, os pacientes, os médicos, essa luta também precisa  vir da sociedade.

PS –  Você acredita que exista uma certa desorganização e descoordenação nas bandeiras dentro do meio canábico?

MR – Vejo muito claramente essa distinção. A luta pela cannabis medicinal é  por dignidade humana de pacientes que estão sofrendo, luta por mães que estão sofrendo. A luta do recreativo, do uso adulto, é uma luta por justiça por direito de escolha, ambas são igualmente importantes. Talvez uma mais urgente do que a outra, mas elas não podem se confundir. É aí que a gente volta na primeira pergunta, o que eu acho da PL 399?. Esse PL une, mesmo quem pende mais para o lado do uso adulto.

Sechat