Chegou a vez dos alimentos de cânhamo

Quando se fala em regulação da cannabis, normalmente as pessoas pensam somente na legalização do cultivo e esquecem que ela já é legal no país. Mas existem muitos usos da cannabis que não dependem da origem do insumo, como medicamentos, roupas, concretos e plásticos. E esse é exatamente o caso dos alimentos de cânhamo – que poderiam entrar no mercado nacional por meio de importação, processados ou não.

Mesmo assim, nós não encontramos esses produtos nos supermercados. O que está faltando?

A seguir vamos elencar três pontos necessários para que o Brasil possa comercializar farinhas, proteínas, azeites e sementes de cânhamo.

Que a população e os reguladores entendam o que são esses alimentos

As sementes de cânhamo são excelentes fontes de nutrientes, com 30% de seu peso composto de proteínas, 50% de ácidos graxos como ômega 3 e 6, além de vitaminas e minerais.

E os canabinoides? Essas sementes não contêm, naturalmente, canabinoides, são produzidas, principalmente, pelas flores. Contudo, durante a colheita e processamento, as sementes acabam entrando em contato com as partes da planta que têm essas substâncias.

A consequência é que os alimentos de cânhamo contêm poucas partes por milhão de THC – considerados apenas como “contaminantes orgânicos”, uma vez que não são originários das sementes.

O THC e demais canabinoides, nessas quantidades, são inócuos para a saúde humana e nunca serão capazes de “dar onda”.

Uma norma com limites de contaminantes

As principais economias do mundo já regulam os alimentos de cânhamo com regras específicas que criam limites de contaminantes presentes nos alimentos. Em diferentes países, as normas de segurança alimentar variam, mas elas seguem uma mesma lógica, estabelecendo padrões mínimos que devem ser cumpridos pela indústria. No Brasil, basta que se crie uma norma específica, ou que as atuais sejam atualizadas, estabelecendo os critérios para os alimentos de cânhamo.

No Paísil, podemos citar como exemplo a IN nº 160, de 2022, da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A norma estabelece os limites máximos tolerados de contaminantes em alimentos, como de 2 mg/kg de cádmio para moluscos. O cádmio é um carcinogênico altamente tóxico,  prejudicial à maioria dos sistemas do corpo, especialmente aos pulmões, ossos e rins. Isso significa que, para os parâmetros regulatórios nacionais, essa é uma quantidade segura para a ingestão de cádmio, que pode levar à morte.

Ao mesmo tempo, a FDA (órgão americano análogo à ANVISA), estabeleceu como sendo seguro a quantidade de 4 mg/kg de THC para a proteína de cânhamo. Contudo, nenhuma morte por overdose de maconha foi relatada.

Esse paralelo tem como objetivo mostrar que, para que haja uma regulação nacional dos alimentos de cânhamo, basta diferenciar e risco de percepção do risco. Estabelecer os limites de contaminantes para os alimentos da cannabis é um passo técnico simples, que deve ser tomado sem preconceitos.

Pressão da indústria nacional de alimentos

Ainda falta uma articulação organizada da indústria de alimentos em benefício da regulação desses alimentos. Seja por falta de informação ou  por receio de se associar a uma pauta ainda muito polêmica, a indústria nacional não está se movimentando com a força necessária para mudar a situação atual.

É preciso entender que a regulação de temas como esse normalmente não acontece de forma “espontânea”. É necessário que os agentes econômicos se articulem, demonstrem seu interesse, a segurança do que estão pleiteando e os benefícios sociais. Sem isso, dificilmente teremos uma mudança de cenário.

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