Autocultivo de cannabis não vai resolver o problema da coletividade

Em primeiro lugar, quero ressaltar que saúdo a decisão recente e unânime da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de conceder um salvo-conduto para que três pessoas possam cultivar cannabis sativa com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio. Elas ficam livres de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do judiciário.

Essa medida ajuda, em primeiro lugar, a esses três pacientes, que não correrão o risco de prisão ou de qualquer outra sanção por parte do aparelho repressor do Estado. Obviamente, a publicidade desse caso também contribui bastante para evidenciar a discussão em torno do uso medicinal da cannabis no Brasil.

Sem dúvida, a gente precisa comemorar essa vitória. Porque ela está relacionada à liberdade que as pessoas têm de fazer o que elas quiserem, desde que não prejudiquem a si próprias ou a terceiros.

Essa decisão não é a primeira, nem será a última. Pelo menos uma centena de Habeas Corpus liberando o auto plantio já foi expedida nos últimos anos. Há quem diga que esse número já deve estar próximo dos 500. Ótimo que não sejam apenas três pessoas, mas ainda é muito pouco.

A despeito de toda a repercussão positiva que essa mais recente decisão do STJ gerou, acredito que caiba ainda uma reflexão mais aprofundada em torno do tema autocultivo. Na minha opinião, o autocultivo não contribui para a coletividade. Se são três, quatro ou 500, o fato é que muita gente continua alijada desse benefício. Também tais decisões particulares direcionadas especificamente a uma ou um grupo pequeno de pessoas podem levar ao entendimento errôneo de que o manejo da cannabis é algo simples e trivial.

Tarefa complexa

Diferentemente do plantio do cânhamo, a produção de cannabis para fins terapêuticos não é tarefa tão simples, como leva a crer o noticiário sobre a mais recente posição do STJ. Enfatizo que não é qualquer pessoa que está apta para produzir de forma caseira medicamento a base de cannabis com qualidade e segurança.

Isso sem contar que o autocultivo, além de complexo, não é uma cultura barata. Não é como plantar e colher uma alface ou um tomate em um vaso na varanda do apartamento.

Primeiramente, é preciso investir dinheiro para aprofundar o conhecimento técnico sobre a planta, suas características e seu manejo. O autocultivo também exige a contratação de especialistas sobre o assunto. Inclui-se aí um advogado com conhecimento de causa para ingressar com ação para obter na justiça o salvo-conduto necessário para resguardar quem irá realizar o cultivo da planta. Isso porque, é bom lembrar, que ainda é crime no Brasil plantar cannabis sativa em casa ou em qualquer outro lugar do território nacional, sob pena de prisão.

Recursos

O autocultivo ainda vai exigir recursos financeiros importantes para a compra de sementes importadas, além de outros insumos e equipamentos. Se a semente é dos EUA, Canadá, Holanda ou de outra procedência, é necessário conhecer a estirpe da planta, suas características e isso exige algum investimento.

Tão importante quanto as sementes, a infraestrutura do local do cultivo é outro detalhe que precisa de fôlego financeiro. Construção de tenda, umidificadores e desumidificadores, iluminação especial, ventoinhas, termômetros, sem contar solo e vasos para ter uma condição mínima de sucesso na empreitada.

Quem vai plantar cannabis em casa também vai precisar de dinheiro para assimilar eventuais prejuízos com a quebra da produção. Nem sempre o autoprodutor de cannabis terá sucesso e vai conseguir alcançar o desenvolvimento adequado da planta e as condições ideais para o seu uso terapêutico.

Muitas vezes, terá de descartar a produção por questões de segurança. A planta também pode até morrer, por um problema ou outro de manejo equivocado, ataque de pragas ou eventual fator externo alheio ao controle do produtor.

Por isso mesmo que, ao mesmo tempo em que comemoro a decisão do STJ, fico pensando que esse não é o caminho mais adequado e sustentável, nem acessível, principalmente. Certamente, não vai resolver o problema de todos, sobretudo de famílias pobres, com filhos doentes em busca de algum alívio. Mas somente daqueles privilegiados que têm como arcar com todos esses custos e riscos já mencionados para se aventurar na autoprodução de cannabis.

Qualidade

E mesmo para quem pode bancar a autoprodução, há que se levar em conta a qualidade dos insumos, incluindo aí, novamente, as sementes. Elas precisam ser de altíssima qualidade e procedência e ter a genética apropriada para atender a cada finalidade terapêutica. Solo e água precisam estar completamente livres de substâncias tóxicas que possam contaminar o óleo extraído da planta. Caso contrário, a pessoa pode não resolver o seu problema de saúde e ainda criar outro problema possivelmente ainda maior.

A figura do médico também é imprescindível nessa cadeia de produção caseira de remédio à base de cannabis. Ele também precisa conhecer os benefícios e eventuais malefícios de uma planta que contém princípios ativos. É esse profissional da saúde quem vai calcular e determinar a dosagem adequada a cada paciente que, por sua vez, responde individualmente às terapias com o uso de cannabis. Além disso, terá de fazer o acompanhamento sistemático dos resultados da terapia e ajustar ou até mesmo ter de suspender a sua aplicação.

Por isso, além de olharmos para todos os prós do autocultivo, é imperativo que também tenhamos todos os cuidados necessários com o uso medicinal dessa planta maravilhosa, que não pode ser considerada uma panaceia para todos os males e que todo mundo é capaz de autoproduzir e se automedicar.

As opiniões veiculadas nesse artigo são pessoais e de responsabilidade de seus autores.

Sobre o autor: Marcelo Grecco: é cofundador e CMO da The Green Hub, consultoria e aceleradora de startups com foco exclusivo no mercado legal da cannabis.

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