Os aromas de cannabis e o olfato além do nariz

Certamente você já sentiu algum cheiro que remeteu a uma ação ou lembrança. Mas o que talvez não saiba é que estudos recentes comprovam a expressão de receptores olfativos para muito além do nariz, em diversos tecidos do corpo humano e, em alguns casos, aromas naturais têm potencial terapêutico no tratamento de doenças. Os cientistas Maβberg e Hatt demonstraram recentemente que, por todo o corpo, as nossas células “sentem” cheiros e respondem a eles.

O olfato é o único sentido não processado pelo tálamo, uma espécie de “estação central” no cérebro, que integra uma infinidade de estímulos neuronais. As moléculas aromáticas viajam pelo bulbo olfatório, atravessam a barreira hematoencefálica e alcançam diretamente o sistema límbico, relacionado às emoções e à memória e centro processador de estados como estresse, alerta, ansiedade e depressão. Assim, através de cada cheiro, podemos sentir emoções, lembranças e reações adversas.

Richard Axel e Linda Buck receberam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2004, pela pesquisa científica que trouxe à luz o mapeamento dos genes relacionados ao olfato, evidenciando que, ao longo da evolução, nada menos que 3% de todo o código genético humano se especializou em sentir e distinguir mais de um trilhão de cheiros.

Nas plantas medicinais, a fisiologia é igualmente generosa quando o assunto é aroma. Verdadeiros perfumes botânicos chamados terpenos são produzidos por metabolismo secundário e consistem em um grupo de variados compostos orgânicos voláteis, que viabilizam funções tão primordiais como atrair polinizadores e repelir predadores.  À semelhança dos animais, as plantas também sentem cheiros, emanam odores e a eles respondem. Receptores olfativos situados nos estômatos das folhas, quando ativados, disparam reações epigenéticas e processos de comunicação e defesa.

Na Cannabis, a diversidade de compostos terpênicos é exuberante e muito bem caracterizada nos distintos quimiotipos. Seus aromas conferem à planta a citricidade da tangerina, a doçura da manga, o toque floral da lavanda ou o cheiro amadeirado do cedro, entre tantos outros aromas possíveis. São muitos tipos de terpenos, com propriedades inseticidas, anti-inflamatórias, bactericidas, fungicidas, ansiolíticas, euforizantes e criativas.

No corpo humano, os cheios exibem afinidade com neurotransmissores, como a dopamina ou a serotonina, e controlam o fluxo de outros componentes fitoquímicos na corrente sanguínea.

Um dos terpenos mais presentes nas espécies de Cannabis, o β-mirceno, induz ao sono e ao relaxamento e, quando associado ao CBD, atua no combate a dor e inflamações, modulando a atividade do THC e de vários outros elementos do fitocomplexo. É a inteligência da natureza a serviço do equilíbrio.

Toda a complexidade dos odores que caracterizam os diversos aromas de Cannabis ainda encontra a percepção individual, a bioquímica e a farmacogenética de cada pessoa. É um jeito da natureza manifestar sua arte, sendo possível que um mesmo terpeno, quando isolado da Cannabis ou integrado ao seu fitocomplexo, seja percebido pelo olfato e se manifeste terapeuticamente de maneiras diferentes, a depender do indivíduo. Solo ou orquestra, assim pode ser a química vegetal.

Utilizar toda a expressão do olfato e o imenso potencial dos terpenos de Cannabis a favor da saúde integral é uma possibilidade desafiadora, ainda pouco explorada na pesquisa científica. A aromaterapia da Cannabis aponta no horizonte e precisa ser estudada. Destilar a quintessência da planta, estudar seus óleos essenciais e hidrolatos e compreender sua ação terapêutica. Como descrito de modo tão elegante por David La Chapelle, “seja a mão invisível da cura, que traz alívio para as dores do mundo e vem como um aroma, nos ventos da alma”.

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