Jeffrey Miron: ‘A legalização produziria benefícios orçamentários’

RIO – Economista, PhD pelo Machassachusetts Institute of Technology (MIT), professor de economia na Universidade Harvard e diretor de estudos econômicos do Cato Institute, Jeffrey Miron estuda os custos da proibição das drogas desde os anos 1980 e acredita que tal política deixa um rastro de violência, corrupção, discriminação e enormes gastos para o Estado.

O que atraiu seu interesse para estudar políticas de drogas?

Um projeto do National Bureau of Economic Research (Escritório Nacional de Pesquisas Econômicas), organização sem fins lucrativos, considerada a maior em pesquisas econômicas nos Estados Unidos. Era fim dos anos 1980 e o projeto tinha foco na economia dos mercados ilegais de drogas. Embora eu não estivesse diretamente envolvido no estudo, tudo aquilo me aguçou a curiosidade sobre as razões pelas quais os países tornam ilegais produtos como a maconha ou a heroína e não o álcool ou o tabaco. Então comecei a refletir, ler e pesquisar sobre essa área. Estes esforços me convenceram que a legalização ganha da proibição. Depois de publicar, tanto em revistas acadêmicas, quanto em outros veículos mais populares, uma pessoa que estava trabalhando numa proposta legislativa para descriminalizar a maconha me pediu para estimar os custos da proibição do ponto de vista dos orçamentos públicos. Desde então, tenho avançado nesses estudos.

Quais os resultados desses estudos?

A legalização de todas as drogas reduziria os gastos com o sistema de justiça criminal — polícia, juízes, promotores, prisões — em aproximadamente US$ 50 bilhões por ano e possibilitaria o recolhimento de impostos de outros US$ 50 bilhões. Estas estimativas estão apoiadas em determinados pressupostos e não podem ser consideradas definitivas, mas meus todos os estudos reforçam a tese de que a legalização produziria benefícios orçamentários significativos.

Por que a legalização seria a forma mais eficaz de usar recursos públicos?

A legalização significa que as drogas seriam compradas e vendidas num mercado legal, e não em mercados ilegais e subterrâneos. A teoria e as evidências sugerem que isto significa menos crime, menos corrupção, mais controle de qualidade do produto, o que resultaria, por exemplo, em menos casos de overdose e de envenenamento acidental Ao lado disso, menos desrespeito aos direitos civis, menos discriminação racial, maior possibilidades para os cientistas estudarem os benefícios médicos de muitas drogas e redução também de crimes e de corrupção nos países produtores.

Oito estados já legalizaram a maconha para fins recreacionais de uso adulto nos Estados Unidos, um indicador de que a sociedade está mais confortável com a flexibilização das leis no que diz respeito à maconha. Por que esta abordagem apenas não é suficiente?

A legalização no nível dos estados é desejável, mas não é o suficiente neste país. Se a proibição na legislação federal persistir, as autoridades federais podem continuar tentando impor a proibição, como aconteceu em muitos estados durante a Lei Seca. Ademais, com a proibição federal, os produtores e comerciantes de maconha nos diferentes estados não podem usar o sistema bancário (que é federal) e podem acabar recebendo multas federais.

Como o senhor avalia a experiência dos estados americanos onde ocorreu a legalização da maconha para fins recreacionais?

Aparentemente, a legalização nesses estados teve impacto mínimo sobre o uso da maconha, sobre a criminalidade, os acidentes de trânsito, a saúde, ou o acesso dos jovens a esta droga. Pesquisas registram até resultados positivos como menor número de suicídios ou overdoses.

Como o senhor reage a quem acredita que a legalização aumenta o uso?

As evidências sugerem que se houver aumento, será mínimo. E, de qualquer forma, a legalização é a política mais correta por trazer benefícios como a redução do crime e da corrupção. A amplitude e a profundidade desses benefícios certamente superam o peso negativo de um possível aumento do uso. Em segundo lugar, pelo menos uma parte desse possível aumento do uso é um benefício da legalização e não um prejuízo, uma vez que o aumento pode significar que mais pessoas podem, sem medo de serem criminalizadas, e por um preço menor, consumir algo que lhes dê prazer (seja recreacional, medicinal ou qualquer outro) sem fazerem mal a si próprias (as drogas terão controle de qualidade), contanto que não façam mal a outros.

Muitas pessoas acham que proibir as drogas é a forma mais efetiva de prevenir o uso. Por que essa pode ser uma premissa equivocada?

O argumento de quem defende a proibição se baseia na ideia de que as pessoas obedecem à lei sem a necessidade de um esforço substancial para sua aplicação. As evidências sugerem, no entanto, que isso não acontece e os governos gastam uma grande quantidade de recursos, gerando efeitos colaterais negativos como crime e corrupção. Propostas alternativas, como a aplicação de impostos específicos sobre esse tipo de produto podem reduzir o uso, evitar o gasto de recursos e os efeitos colaterais da proibição.

Dados do seu estudo indicam que as taxas de violência e corrupção aumentaram com a proibição das drogas, o que pode parecer contra intuitivo. Como isso funciona?

São poucas as evidências que sugerem que o uso de drogas faz com que as pessoas sejam violentas ou propensas ao crime. Ao contrário, o nexo de causalidade vai da proibição ao crime: levar um mercado à ilegalidade significa que a disputa entre clientes e empresas, entre empresas em diferentes estágios de produção, ou entre empresas em competição, se resolve na violência e não no judiciário. E, aqui, estou usando o termo “empresas” de forma ampla e geral, bom que se note.

Como os cartéis do tráfico e de organizações criminosas serão afetados se as drogas forem legalizadas?

Se a legalização for capaz de ir longe o suficiente para permitir a existência de mercados legais normais, cartéis e outros grupos criminosos vão desaparecer do negócio das drogas. Alguns podem persistir em algum grau em outras atividades, como o jogo e a prostituição, por exemplo, mas o escopo de seus lucros será dramaticamente reduzido. Isso foi exatamente o que aconteceu depois da proibição do álcool nos Estados Unidos. A solução é legalizar todas essas atividades.

O modelo uruguaio de regulação da maconha é reconhecidamente diferente do modelo que alguns estados americanos estão desenvolvendo. Qual deve ser o papel do governo em relação à legalização e regulação desses mercados?

Na minha opinião, o papel do governo no mercado de drogas não deve ser diferente do desempenhado em qualquer outro mercado. Uma única exceção pode ser o requisito de idade mínima para compra, que não deve ser muito alta para não criar mercados subterrâneos e incitar desobediência, o que termina por propagar o desrespeito pela lei. Leis que impedem os cidadãos de dirigir sob influência de determinadas substâncias e outras medidas de segurança devem ser aplicadas a outras drogas, assim como o álcool.

Julita Lemgruber é socióloga e coordenadora do CESeC/UCAM

O Globo