Guerra às drogas – uma guerra insana
Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Roberto Barroso, nos surpreendeu ao proferir a sentença que libertou um homem, preso em flagrante, portando 69 gramas de maconha “para posterior comercialização”, segundo o processo que o levou a um dos piores presídios do País. O acusado, preso desde outubro passado, foi libertado pela sentença do STF no dia 12 de maio último.
Segundo a reportagem do G1, o ministro, em sua decisão, argumentou “ser um ‘equívoco’ a política de ‘criminalização e encarceramento por quantidades relativamente pequenas de maconha”, pois “prejudica não só o acusado, mas ‘sobretudo a sociedade’”. E, ainda: “O pior efeito de drogas como a maconha não é sobre o usuário, mas, sim, sobre as comunidades que são dominadas pelo poder do tráfico. A ilegalidade e a repressão tornam este mercado atraente e faz com que paguem aos jovens salários maiores do que os que obteriam em empregos regulares”.
De acordo com a mesma reportagem o ministro arrazoou que mandar jovens não perigosos e primários para a cadeia “por tráfico de quantidades não significativas de maconha é transformá-los em criminosos muito mais perigosos”. Ainda em sua decisão o ministro lembrou que diversos países europeus e vários estados norte-americanos já haviam descriminalizado o uso da droga e acrescentou que “a política de guerra às drogas, inclusive à maconha, liderada pelos Estados Unidos, é considerada um fracasso, e foi abandonada”. E concluiu: “A maconha, a despeito de existirem divergências sobre os malefícios que causa ao usuário, não a transforma em risco para terceiros”.
Foi a primeira vez que um juiz, e um juiz da corte suprema brasileira, fez uma declaração e lavrou uma sentença condenando a guerra às drogas. Finalmente alguém resolveu romper a barreira da hipocrisia e, no exercício de suas funções, teve a ousadia de colocar os pingos nos iis.
Esta semana li na revista “The Economist” um artigo chocante, no qual é descrita a ineficiência do combate à erradicação da coca na Colômbia que vem sendo feito há mais de quinze anos. Diz o articulista que uma das ações para este fim é o lançamento, por aviões, de uma química – glyphosate – sobre 130.000 hectares de terra, com o objetivo de impedir o crescimento das sementes. A ação vem sendo combatida por ambientalistas, uma vez que o método, segundo comprovam, tem afetado a vida das famílias, produzindo doenças, abortos e tumores malignos na população local.
Nunca houve uma política pública tão inútil e tão danosa para a sociedade, sobretudo para os mais pobres, quanto a guerra às drogas.
Mas, por que embora um ministro do Supremo Tribunal tenha feito tais declarações, continua-se matando em nome do combate ao uso de drogas? Por que milhares de jovens encontram a morte prematura ou são enviados por juízes de primeira e segunda instâncias para as masmorras do País?
Em vez disso, aqui no Rio de Janeiro critica-se a única política pública cujo ideal não era erradicar o tráfico nem o consumo das drogas, mas humanizar a polícia e proteger os cidadãos das localidades pobres dos traficantes e de suas armas.
Recentemente, uma região “pacificada” no Rio de Janeiro, onde funciona UPPs e o índice de mortes violentas havia caído 85%, viveu uma semana trágica na qual morreram 12 pessoas (veja vídeo do Jornal Nacional acima, exibido em 15 de maio). Um grupo invadiu uma das favelas e fez vítimas fatais na facção rival. A polícia interviu e deve ter produzido mais mortes. Muitos eram inocentes, nada tinham a ver com o tráfico.
Diante das câmeras da TV, de olhos baixos, um pai declarou que seu filho, morto nessa guerra, estava envolvido no tráfico. Suas palavras impactantes não me saem da cabeça: “Meu filho era envolvido, como muitos jovens”. O pai não tinha no seu coração o orgulho de ter um filho “trabalhador”, e seu sofrimento era tão profundo e sua frase tão verdadeira que me fizeram tremer.
Ainda bem que o ministro Barroso se pronunciou contra essa guerra insana. A sentença por ele proferida não livrou apenas um preso que, segundo as leis vigentes não deveria ter sido levado para a cadeia pela quantidade de drogas que portava. Fez muito mais: afirmou na mais alta corte do País que esta guerra está perdida e por isso é preciso buscar caminhos alternativos para finalmente legalizar as drogas.
‘Insistir no que não funciona não faz sentido’, diz Luís Roberto Barroso sobre política de drogas