‘A descriminalização é um ato de civilidade’ defende FH em evento sobre drogas
RIO – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender, na manhã desta quarta-feira, a descriminalização de substâncias ilícitas no Brasil, afirmando que essa é uma questão de “civilidade”.
O atual presidente da Comissão Global de Politica sobre Drogas participou do painel “Reforma Global de Política de Drogas: América Latina”, organizado pela Open Society Foundations, no Museu de Arte do Rio (MAR).
– A descriminalização é uma questão de civilidade. Não tem sentido tratar o usuário de drogas como um criminoso. Outra coisa é um contrabandista. Ao descriminalizar, você não está, automaticamente, legalizando. As diferenças podem ser sutis, mas são importantes. A droga pode continuar sendo ilegal, ou seja, o contrabandista vai para a cadeia, mas o usuário não praticou um crime e será levado para uma instância administrativa. Acho que isso é o mínimo necessário para que se tenha uma noção racional de como lidar com a questão de drogas – argumentou, reiterando opinião defendida em entrevista exclusiva publicada pelo GLOBO nesta quarta-feira.
Questionado pelo megainvestidor George Soros – fundador da Open Society e presente no evento – o porquê de o Brasil estar ausente ou “atrás de outros países da América Latina” na discussão global sobre o assunto, FHC respondeu:
– Esta é uma pergunta difícil para eu responder, mas vou tentar. O atual governo brasileiro aparentemente não tem sensibilidade em relação a questão das drogas – afirmou, acrescentando que, há um tempo, recebeu um pedido do presidente da Colômbia de que interviesse junto à presidente Dilma Rousseff em relação ao apoio no pedido de alteração da política mundial de drogas. – Um tempo depois, ela me ligou para dizer que concordaria com a posição da Colômbia. Então eu acho que há esperança.
O ex-presidente brasileiro esteve no evento ao lado da ex-presidente da Suíça Ruth Dreifuss e do professor de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Federal de São Paulo Dartiu Xavier da Silveira. Participaram também Daniel Mejia, professor da Universidade dos Andes, em Bogotá, e Ethan Nadelmann, fundador e diretor executivo da Drug Police Alliance, dos EUA.
Lideranças e especialistas defenderam a flexibilização de políticas relacionadas ao tema e o fim da chamada “guerra às drogas”, além da adoção de abordagens associadas à redução de danos.
– Existe esse medo de que a regulação ou legalização de uma substância dispare o consumo, o número de dependentes. Mas isso é mais uma paranoia coletiva, já que temos evidências de que isso não vai acontecer. Quando a Lei Seca americana foi revogada claro que, na hora em que o álcool foi liberado, regularizado e legalizado, muitas pessoas ficaram curiosas e foram experimentar. Mas isso é um fenômeno logo após a legalização. Passados dois anos, tudo volta ao padrão normal – defendeu Dartiu Xavier da Silveira. – Quanto mais proibido, mais você estimula formas perigosas de consumo. Na Lei Seca americana, foi o único momento da História em que se registrou o uso injetável de álcool. Muitas pessoas dizem que o crack é a cocaína dentro do proibicionismo. Ou seja, numa política mais maleável, o crack talvez não tivesse aparecido.